segunda-feira, 23 de abril de 2012

Insurreições armadas no Oriente médio.

As cenas de Mohamed Bouazizi queimando são chocantes. Ele tinha apenas 26 anos quanto se martirizou, muito pobre, órfão aos três anos, desde dos 10 vendia legumes como ambulante pelas ruas de uma cidade da Tunísia, a cidade de Bem Araus. Ele ganhava cerca de 75 dólares por mês. Sua história percorreu o mundo, depois de ter seu carrinho confiscado pelas autoridades, Mohamed protestou em frente ao prédio do governo local, não foi atendido e sem esperança deixou uma mensagem para sua mãe no face book e ateou fogo ao próprio corpo. O povo alarmado e escandalizado com a situação primeiramente se compadeceu de Mohamed, mas logo depois a ira e a revolta se espalharam como fogo em palha seca em meio a uma população pobre que a muito não suportava o regime político ditatorial, a sede por justiça desencadeou um levante popular seguido de protestos e greves por todo país, dava-se início a primavera Árabe. Logo o exemplo da Tunísia se espalhou por todo oriente médio, uma pequena fagulha despertou a consciência de muitos, todos aqueles que se sentiam humilhados explodiram em ira com seus sentimentos de liberdade e justiça a muito reprimidos, Bouazzi, desde o profeta Maomé, despertara a consciência dos povos oprimidos do deserto, ele nunca imaginara que no momento em que ateou fogo ao próprio corpo libertara não somente seu espírito, mas a consciência de milhões de pessoas em todo oriente-médio, Mohamed Bouazizi morreu cerca de duas semanas depois em decorrência das queimaduras.
O dia da desforra tinha chegado ao oriente médio, agora era a hora do acerto de contas com as oligarquias e ditaduras. Em 17 de dezembro 2010 Bouazizi ateou fogo ao próprio corpo, em 14 de janeiro de 2011, depois de semanas de violentas manifestações, Bem Ali, ditador da Tunísia à 23 anos foge para Arábia Saudita, a vitória do povo foi total, as eleições em breve iniciariam uma nova vida na Tunísia. Entretanto os levantes pelo Oriente-médio tinham apenas começado, desencadeando violentos processos políticos que se manifestavam segundo a particularidade de cada país. Em alguns países os ditadores renunciaram depois de uma luta dramática e violenta, lutas que porém não desembocaram em guerra civil, o maior exemplo disso são o Egito e o Iemem, entretanto as ferozes ditaduras da Líbia e da Síria desencadearam encarniçadas guerras civis. O Egito depois das manifestações que derrubaram Mubarak entrou em um conturbado período de transição com disputas políticas entre os grupos que outrora apoiavam o regime e grupos que eram oposição ao regime como o partido islâmico, Fraternidade muçulmana.As eleições parlamentares iniciavam a nova fase. Entretanto na Líbia e na Síria os processos geraram guerras civis com custos elevados para população de seus países, na líbia morreram cerca de 40 mil pessoas em 8 meses de conflitos violentíssimos envolvendo a ação de exércitos europeus e de forças estadunidenses sob a mascara da OTAM com o aval da ONU.
Embora a atuação das forças estrangeiras na Líbia não se restringisse à campanha aérea, pois muito apoio em solo foi dado aos rebeldes Líbios através da ação de espiões e a atuação de forças especiais, a OTAM não chegou a operar com forças regulares. Entretanto a batalha pela Líbia foi a mais importante guerra civil desde a guerra civil Espanhola, tanto pela sua localização estratégica no mediterrâneo, como pelo seu papel político no contexto africano. O regime de Muamar Kadafi foi responsável pela criação de um banco africano para minar a influência do FMI na África além ter financiado diversos movimentos de libertação na África, soma-se isso a um extenso histórico de embates com o ocidente que vão desde ações terroristas como a explosão do Lockerbie (Escócia) que resultaram na morte de centenas de pessoas, além de ter armado a guerrilha do Ira entre outros movimentos anti-imperialistas. Essa postura internacional independente da Líbia não refletia os conflitos internos do país com a brutal ditadura de Muamar Kadafi, estima-se que em 42 anos de ditadura cerca de 40 mil pessoas tenham perecido nas mãos de regime de Trípoli. Um dos últimos grandes massacres foi a execução de 1600 prisioneiros em 1996 realizada como uma espécie de queima de arquivo pelo regime ditatorial Líbio, esse massacre transformou a terrível prisão de Abu Salim na Bastilha do regime Líbio a libertação de prisioneiros de Abu Salim foi um dos grandes momentos da guerra civil
Kadafi morreu sem julgamento executado por milicianos Líbios, entretanto seu histórico de crimes e estupros e violações contra seu povo fez de sua execução uma espécie de linchamento público para o deleite das milhares de famílias que foram violadas pelo seu regime, de certa maneira não podia se esperar algo melhor. Depois da queda de Trípoli Kadafi se refugiou em sua cidade natal Sirte, seu regime era tribal, ele possuía um apoio popular no oeste da Líbia em especial de sua tribo e das tribos nômades do deserto os tuaregues, além de ter mantido até ao final o apoio de tribos como os Zentan e Taruna. A batalha final foi brutal, de um lado cerca de 6000 mil milicianos armados com o arsenal do próprio Kadafi, apoiados por um pesado bombardeio dos caças da Otan, em especial os Dassault Mirrage franceses, do outro lado cerca de 1500 homens, os restos do exército do ditador, polícia secreta e apoiadores populares de Sirte, nas duas primeiras semanas centenas de civis morreram no fogo cruzado entre o fiéis seguidores do tirano Líbio e seus inimigos rebeldes/OTAN. Depois de negociações e um curto cessar fogo para deixar a população fugir, junto com elementos chaves do regime, algum dos quais foram presos pelos rebeldes a batalha recomessa.Suspenso o cessar fogo, mais três semanas de intensos conflitos e em meio à um montão de escombros chega ao fim a guerra civil na Líbia. Os últimos momentos de Muamar Kadafi mostraram a brutalidade do conflito e ensinou que para muitos ditadores cruéis o fim é igualmente terrível ao destino de suas vitimas, tal como Hitler, Mussolini, mais recentemente Nicolae Ceausescu.
Nas suas últimas horas de sua vida Kadafi sentia a terra tremer constantemente. Uma chuva permanente de foguetes, granadas, mísseis grads e bombas made in OTAN fez o ditador escolher pela fuga com o resto de seus seguidores, cerca de 80 a 100 homens. O comboio de caminhonetes e carros partem em direção ao deserto, os caças franceses cuidam de interceptá-los, o final já conhecemos, capturado dentro de um cano de esgoto Kadafi é linchado, torturado e morto, seu filho Mutassim e seu general executados com um tiro, as cenas de Mutassin minutos antes de ser executado fumando um cigarro indica certo tratamento “humano”, aparentemente ele pode fumar, orar e escolher o local do tiro, bem em cima do coração. O motorista de Kadafi foi feito prisioneiro e é dele que provem o relato dos últimos momentos do tirano um homem irado, confuso, que olhava sempre para o norte, amaldiçoava o povo a quem ele atribuía ingratidão, mas ante aos inúmeros pedidos de fuga de seus homens ele sempre repetia que preferia morrer nas mãos do povo do que ser capturado pela OTAN e ser levado ao tribunal internacional. Segundo o motorista a ordem de “fuga” em plena luz de dia foi uma ordem de suicídio.
Podemos dizer que foi a intervenção da OTAN que garantiu uma rápida vitória aos rebeldes, apesar de sua vantagem numérica os rebeldes careciam de armamento pesado e blindados e de uma força aérea, entretanto demonstraram sua força ao realizar um levante popular em todas as cidades importantes da Líbia, dois terços do exército passou para o lado dos rebeldes, mas isso não garantiu uma vitória imediata, o regime manteve as principais unidades fiéis e com isso reuniu grande parte dos equipamentos e blindados além de manter a ordem na força aérea. Dezenas de pilotos foram executados e centenas de cadetes presos por se negarem a obedecer as ordens do ditador.Entretanto o regime já era um peso nas relações comerciais com o ocidente, além de ter um histórico desagradável de intervencionismos. Como nos últimos anos Kadafi estava valorizando relações econômicas com a China e Rússia a intervenção da OTAN foi crucial para manter a hegemonia do ocidente no mediterrâneo e garantir a vitória dos rebeldes.
Na Síria a questão é mais delicada e obscura, é sabido que a muito há uma oposição armada que luta contra a sanguinária ditadura de Bashar Assad entretanto as manifestações populares da primavera Árabe seguido dos massacres expos as debilidades do regime, um grande contingente de soldados se rebelou contra o regime e formaram o Exercito livre da Síria, acredita-se que inicialmente cerca de 15 a 20 mil soldados tenha se rebelado e que hoje o Exército livre da Síria chegue a 40 mil homens, mal armados e mal equipados, entretanto muito coesos politicamente ao ponto de resistir meses sem o apoio real dos países “inimigos” da Síria, armados apenas com armas leves, lança foguetes e granadas travam uma luta heróica contra a máquina de moer carne humana que sustenta a tirania Síria. O regime Sírio se sustenta devido a eficiência das suas forças de repressão, acredita-se que só nos últimos meses 10.000 civis tenham morrido nas mãos das forças do regime.
A batalha da Síria é diferente, não virá ajuda da OTAN, essa guerra irá durar muito tempo e nos legará mais lições que a batalha da Líbia, apesar dos rebeldes terem conseguido certa ajuda financeira a guerra segue indeterminada, seriam capazes os rebeldes de minar as forças do regime através de uma guerra popular? Essa questão e mais outras só o tempo as esclarecerá, o que sabemos é que há uma oposição política na Síria representada pela Fraternidade islâmica e que as armas dos rebeldes Líbios estão a disposição dos homens livres da síria, entretanto falta um “corredor” para que esse armamento chegue.
A maior lição que as insurreições armadas nos passam é que o preço da liberdade é caro e que uma saída política sempre evita traumas de uma guerra civil e que na política a maioria pode vencer a minoria, mas em uma guerra civil a questão da guerra suplanta a questão da política e o armamento torna-se mais importante que a palavra que o debate, por isso é mais importante evitar uma guerra civil do que vencê-la, o Egito demonstra a grandeza de suas organizações populares e de seu exército na medida que caminha para democracia através da luta política. O Iêmen, a Tunísia seguem a trilha do Egito, outros países como a Argélia, Iraque, Omã encaminham reformas, e tudo isso nos faz crer que as guerras civis demonstram que nem todos regimes do oriente médio eram ditaduras fortes com exceção da Líbia e da Síria.